Analistas de mercado e representantes do setor de biocombustíveis refutam a ideia de que a produção de biodiesel e etanol de milho impacta diretamente no preço dos alimentos. A discussão foi levantada na última semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante uma entrevista a jornalistas.
Na ocasião, Lula destacou o aumento do preço do óleo de soja, que teria passado de R$ 4 para R$ 10, e afirmou que pretende dialogar com produtores do setor para compreender melhor a situação. “Eu quero saber se a soja para o biodiesel está criando problema; eu quero saber se o milho para o etanol está criando problema, e eu só posso saber disso se chamar os empresários da área para conversar”, declarou o presidente.
Entretanto, a hipótese não foi bem recebida pelo setor, que considera a afirmação infundada e teme que ela prejudique as exportações brasileiras. Atualmente, cerca de 80% do biodiesel produzido no Brasil tem como matéria-prima o óleo de soja, enquanto o etanol de milho representa 15% da produção nacional desse biocombustível. A União Europeia, por exemplo, não compra combustíveis produzidos a partir de produtos que integram a cadeia alimentar, e diplomatas brasileiros trabalham constantemente para demonstrar que os biocombustíveis nacionais não ameaçam a segurança alimentar global.
Setor reafirma que biocombustíveis não encarecem alimentos
Julio Cesar Minelli, diretor superintendente da Aprobio (Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil), reforçou que a relação entre biocombustíveis e preços de alimentos já foi amplamente discutida e esclarecida. “O presidente recebeu informações atravessadas e as colocou sem maior reflexão, mas tenho certeza de que os dados corretos já chegaram a ele”, afirmou Minelli.
Dados da consultoria StoneX indicam que a produção de biodiesel no Brasil cresceu de forma constante desde 2020, alcançando 9 milhões de metros cúbicos em 2023, com previsão de 10,1 milhões em 2025. Até 2030, a expectativa é de aumento significativo, quando a mistura de biodiesel ao diesel deve chegar a 20% (atualmente é de 14%).
Minelli também argumenta que, ao contrário do que se especula, a produção de biodiesel pode ajudar a reduzir o preço da carne. Isso ocorre porque, ao valorizar o óleo de soja, a extração da matéria-prima também gera farelo de soja, usado na alimentação animal. Dessa forma, o aumento da demanda pelo óleo reduz o custo do farelo e beneficia pecuaristas, impactando positivamente os preços das carnes.
Outros fatores explicam alta do óleo de soja e do milho
Leonardo Rossetti, analista de mercado da StoneX especializado em óleos vegetais, reconhece que a produção de biodiesel influencia o preço do óleo de soja, mas não é o principal fator. Segundo ele, a desvalorização do real e as condições climáticas também impactaram a produção e elevaram os preços. “Soja, milho, café e cacau são precificados em dólar. Se o real perde valor, o preço desses produtos aumenta, inclusive no mercado interno”, explica Rossetti.
A produção de etanol a partir do milho também foi questionada pelo presidente, mas, segundo a StoneX, não há indícios de que isso tenha influenciado a alta do preço do grão. O Brasil tem mantido estoques confortáveis de milho, demonstrando que a oferta ainda supera o consumo doméstico e a exportação. No entanto, a consultoria alerta que os estoques têm apresentado queda desde 2018, o que pode gerar preocupação no futuro.
“A alta recente do milho está mais relacionada à dinâmica do mercado internacional, onde a oferta e a demanda estão mais equilibradas”, explica Ana Luiza Lodi, analista de mercado da StoneX. “Se tivéssemos uma quebra de safra significativa, a competição entre rao e combustível poderia se acirrar, mas no momento a produção de milho segue crescendo e atendendo ambas as demandas.”
Dessa forma, especialistas reforçam que não há evidências de que a produção de biocombustíveis esteja impactando negativamente o preço dos alimentos no Brasil, destacando que o setor segue contribuindo para o desenvolvimento econômico e a segurança energética do país.