População carcerária do Brasil permanece entre as maiores do mundo
O Brasil manteve a sua posição de terceiro lugar entre os países de maior população carcerária em todo o mundo. É o que mostra o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na última quinta-feira, 20, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base em dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen). O total de pessoas presas no país foi de 832.295 em 2022 sendo 826.740 no sistema penitenciário e outros 5.555 sob custódia em delegacias e distritos policiais.
Desse total, 74,7% dos presos já foram condenados e estão cumprindo pena, enquanto 25,3% ainda são presos provisórios. O quantitativo é considerado o maior da série histórica do Anuário, que começou a ser produzido em 2007. No ano 2000, o primeiro a ser contabilizado, eram 232.755 detentos no sistema carcerário, o que dá um aumento de 257,6% em 22 anos. Ele ainda fica abaixo de apenas dois países: a China (com 1,69 milhões) e os Estados Unidos (com mais de 2 milhões).
Somadas, as unidades de todo o sistema penitenciário brasileiro contam hoje com 596.162 vagas, mas com o total de detentos muito acima do disponível, faltam 230.578 vagas nas cadeias, presídios e penitenciárias do país, que estão, em sua grande maioria, com superlotação e estrutura precária. “Não existem vagas, e nem as vagas que existem possuem condições físicas para cumprir seu papel. São celas feitas para quatro ou oito pessoas, mas que possuem 30 ou mais”, aponta o professor Ronaldo Marinho, pesquisador e docente do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit).
Para ele, o aumento do encarceramento se dá pela total falta de políticas públicas que tratem a violência como um problema multifacetado que tem raízes socioeconômicas. “Não há uma estrutura de atenção ao adolescente em situação de risco, falta atenção à população dependente de drogas ilícitas, falta uma política de atenção ao egresso e existe uma alta taxa de reincidência que beira a 80%”, explica Ronaldo, acrescentando que, de cada 10 pessoas que cumprem pena, oito voltam a cometer crimes após a liberdade.
Tal aspecto, entre outros fatores, se dá pelo baixo alcance da ressocialização de presos. O Anuário do FBSP mostra que apenas 19% dos atuais detentos participam de programas de laborterapia. Marinho corrobora com esse dado, acrescentando que as políticas de reinserção social e de capacitação para o trabalho dentro das unidades prisionais não alcançam 20% das pessoas encarceradas, e que, ao mesmo tempo que não há capacitação profissional ou intelectual para os presos, os policiais penais não conseguem exercer essas atividades por falta de espaço, orçamento e de interesse social.
A cor do cárcere
O dado que mais chamou atenção no levantamento é a alta quantidade de pessoas jovens e negras detidas, que foi a maior desde o início dos Anuários, trazendo ao debate a questão do racismo estrutural. “A grande massa de pessoas encarceradas é de homens, jovens, pretos e de baixa escolaridade, e isso nos faz refletir sobre o tema”, resume Ronaldo.
Segundo o Anuário, 68,2% da população carcerária em 2022 era de pessoas negras, que somavam 442.033. Foi igualmente o maior patamar da série histórica da pesquisa, já que em 2005, eram 91.843, o equivalente a 58,4%. Por outro lado, as pessoas brancas no sistema prisional eram 197.084 em 2022, ou 30,4% do total. Em 2005, eram 91.843, equivalentes a 39,8%.
Já a faixa etária mais prevalente é a de pessoas entre 18 a 34 anos, que somam 62,6% das pessoas presas, seguidos da faixa entre 35 e 60 anos (35,4%), e da acima de 60 anos (2,1%). E no sistema socioeducativo, que abriga adolescentes em conflito com a lei que são sentenciados pela Justiça para cumprir medidas educativas, o total de internos cumprindo medida socioeducativa em meio fechado somou 12.154 no ano passado, caindo 6,3% em relação a 2021. Já se o comparativo foi em relação a 2018, a queda é maior: 50,4%
Reformatório Penal
Uma iniciativa que busca minimizar os efeitos dos problemas do sistema carcerário está em um projeto de extensão desenvolvido há 28 anos por alunos e professores do curso de Direito da Unit, em parceria com a Defensoria Pública do Estado de Sergipe. O Projeto Reformatório Penal permite que os estudantes de direito da universidade, orientados pelos professores e defensores públicos, realizem atendimentos jurídicos a detentos e familiares que não dispõem de advogados.
“O projeto visa ampliar o acesso à justiça, atendendo os hipossuficientes que precisam de um defensor que busque reconhecimento dos direitos das pessoas envolvidas no processo criminal. Nossos alunos e alunas têm contato com processos reais, atendem as pessoas nos presídios e produzem peças processuais, manejam recursos que visam reconhecer direitos das partes”, detalha o professor Ronaldo, que coordena o projeto.
Em 2022, um total de 1.797 pessoas atendidas pelo projeto em Sergipe tiveram seus direitos garantidos em virtude da revisão de processos, dentre eles, o de encurtamento do tempo de prisão por meio de benefícios previstos na Lei de Execução Penal, como livramento condicional, progressão de regime, soma e unificação de penas, saída temporária, entre outros.
De acordo com ele, o objetivo principal do projeto é a capacitação, a preparação e a sensibilização dos estudantes de Direito para o tema. “É impactante, na medida que passam a conhecer o sistema penitenciário e a justiça criminal por dentro, quebrando preconceitos e o senso comum, capacitando-o a intervir diretamente na vida social, aprendendo a manejar as peças jurídicas adequadas, de acordo com a situação fática e construindo soluções para o reconhecimento de direitos”, conclui Marinho.